Questão de vírgula ou morte

Imagem: Pixabay

Uma historieta jocosa, que desliza sob a oleosidade dos séculos, chegou-me aos ouvidos no final de minha adolescência, à sombra saborosa do círculo teológico do saudoso Mestre Natanael Lopes, pelo, hoje, octogenário e sempre empreendedor Jorge Ribeiro.

 

Segundo essa anedota, certo soberano, cujo povo via a sagrada paz ameaçada por guerreiros gigantes, recebeu o mensageiro que enviara a consultar o sucesso da inadiável peleja:

 

-Vai não morrerás- transmitiu-lhe.

 

Findo o renhido combate, que ao nosso valoroso rei custara a vida, seus ministros vieram cobrá-la à pitonisa, que lhe dera palavras trocáveis. À face dos irresolutos interrogadores, respondeu a advinha que assim fora dito ao incauto mensageiro: “Vai não, morrerás”.

 

Em algumas versões (não referidas por Ribeiro), que constam de manuscrito antigo cuja autenticidade o arqueólogo Jorge de Souza confirma, a culpa recai sobre o infeliz do portador das novas, lançado a feras famintas. Noutra, culpa-se a pitonisa, por induzir o majestoso à mortífera má interpretação.

 

Numa mais rara peça arqueológica, escrita em fragmento de cedro do Líbano, retirada à cheia do Nilo, cuja autenticidade ainda se estuda, sentenciam-se à morte tanto o mensageiro como o emissor, por faltarem à vital clareza de tal mensagem e perigoso desconhecimento de seu código.

 

Bem, nada de mais mortes, vamos ao ponto final, que, sem trocadilhos, é também um bom modo de pôr fim ao texto e com o qual poupam-se os olhos do estimado leitor.

Elói 2564

Por Elói Alves 

 

Escritor, consultor linguístico, tradutor e professor; estudou Letras Clássicas na FFLCH-USP, licenciou-se em Língua Vernácula na FE-USP, é discente do curso de Direito da FMU; é autor de O Olhar de Lanceta: Ensaios Críticos sobre Literatura e Sociedade (2015), Contos Humanos (2013), As Pílulas do Santo Cristo (2012), Sob um céu cinzento (2014), entre outros. Página: www.escritoreloialves.com.br.

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