Uma  visão de um jovem constitucionalista

O valor da Constituição, uma abordagem que deve ser feita, levando em consideração as concepções clássicas de Constituição, bem como, alguns dos conceitos modernos e contemporâneos a respeito do texto fundamental.

 

Com a finalidade de estabelecer uma abrangência capaz de determinar o valor da norma fundamental de maior relevância em nosso ordenamento jurídico brasileiro vigente, as concepções clássicas de Constituição podem ser compreendidas  ao  longo da história ocidental de três maneiras:

 

A primeira delas levará em conta um sentido sociológico definido pelo pensador Ferdinand Lassalle[1]. Para ele, a Constituição consiste na presença dos fatores reais de Poder. Uma vez ausente, estes fatores, a Constituição de um Estado seria apenas uma mera folha de papel.

 

Um outro sentido de Constituição é o político, estabelecido nas obras  de Carl Schmitt[2]. Conforme o pensador, a Constituição consiste na decisão política fundamental tomada pelo titular do Poder Constituinte Originário. Além do mais, ele distingue a Constituição das leis constitucionais, considerando para tanto, que todos os dispositivos que fazem parte da decisão política fundamental são Constituição, no entanto, há leis que versam sobre matéria constitucional, mas não configuram parte da tomada de decisão.

 

Por fim, temos o sentido jurídico de Constituição concebida por Hans Kelsen[3], onde ela está no ápice do ordenamento jurídico, dando fundamento de validade a todas as demais normas dela decorrentes. Dentro do escalonamento normativo, o que dá fundamento de validade à Constituição seria a chamada norma hipotética fundamental, a fim de que se possa ter um embasamento de validade para todas as determinações que a Constituição estabelece.

 

A partir das três grandes concepções clássicas de Constituição é possível perceber a importância da Constituição dentro do Estado, a medida em que ela é norma capaz de estabelecer as diretrizes de sua organização, estabelecendo os limites de sua atuação, além de assegurar ao destinatários direitos e garantias que serão concebidos com uma natureza fundamental a fim de determinar a harmonia e a dignidade dos elementos constitutivos do Estado.

 

No entanto, muito embora sirvam de embasamento, estas concepções permitiriam que ao longo da história, outros pensadores pudessem estabelecer delineamentos a respeito da Constituição e da sua relevância valorativa em prol das sociedades.

 

Entre as concepções modernas de Constituição pode-se mencionar a Constituição Normativa de Konrad Hesse[4]. O autor estabelece que a Constituição é norma e, portanto, representa uma das  fontes do Direito, levando em consideração, também, o fato de que ela cataloga uma gramática de direitos inerentes e pertencentes as pessoas. Além dela, podemos mencionar a Constituição Dirigente de José Joaquim Gomes Canotilho[5]. A Constituição Dirigente representaria os programas e propostas presentes na Constituição estabelecendo assim as promessas  do Poder Constituinte Originário, cujo destinatário é a sociedade.

 

Há que se mencionar também, a Constituição Simbólica definida e estudada por Marcelo Neves[6] em que a Constituição, enquanto símbolo, representa os anseios do povo, mas quem circunstâncias e momentos da história, parte do que foi estabelecido na Constituição, não foi concretizado por uma série de fatores, entre os quais podemos mencionar a ingerência dos administradores públicos, a falta de amparo estatal em prol das classes menos favorecidas.

 

A Constituição Garantista definida por Luigi  Ferrajoli[7], em que representa a garantia de proteção das instituições e dos direitos fundamentais, nela, encontra-se presente, mecanismos capazes de preservar e reparar quaisquer agressões sofridas, conferindo assim, a garantia de uma efetiva proteção.

 

A concepção de Constituição Aberta apresentada por Peter Harbele[8], trata a norma fundamental como um texto aberto  que pode ser interpretada pelos mais variados grupos presentes na sociedade. Há uma participação da sociedade como um todo na concretização das promessas da Constituição.

 

Neste breve conjunto de concepções, muitas características possibilitam estabelecer uma visão global do valor da Constituição.

 

A Constituição, enquanto representação dos fatores reais de poder de uma sociedade. A Constituição como a decisão política fundamental muito bem representada, quando se observa o papel da Assembleia Nacional Constituinte Brasileira na elaboração debates, discussões e compromisso com a promulgação da Constituição.

 

A Constituição na sua qualidade de norma fundamental, uma vez que, ela é quem direciona e estabelece as diretrizes para harmonização do nosso ordenamento jurídico, assim como a percepção do valor normativo e simbólico da Constituição.

 

Da Constituição que demanda pela participação da sociedade, abrindo a possibilidade de reivindicar-se o cumprimento das promessas dos legisladores constituintes originários.

 

Ademais, a importância dos mecanismos de proteção dos direitos e garantias fundamentais, do exercício harmônico entre as instituições, isto é dos poderes da República tornam evidente o valor garantista presente na Constituição.

 

Existem outras tantas acepções acerca da Constituição, mas um dos seus valores é a certeza que, desde o seu advento, ela ainda representa a esperança na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

 

[1] LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1998.

 

[2] SCHMITT, Carl. O Conceito do Político / Teoria do Partisan. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

 

[3] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Título original: Reine Rechtslehre, Viena, 1960. Trad. João Baptista Machado, 8ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

 

[4] HESSE, Konrad .A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio  Antônio Fabris Editor, 1991.

 

[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas. 2.ed. Coimbra: Coimbra Ed, 2001.

 

[6] NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

 

[7] FERRAJOLI,Luigi Garantismo: debate sobre el derecho y la democracia. Madrid, Trotta, 2006 e FERRAJOLI,Luigi.O constitucionalismo garantista e o estado de direito. Tradutor: André Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lênio Luiz; TRINDADE, André Karam (organizadores). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

 

[8] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional- A sociedade aberta dos interpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

Por Ronny Max Machado

Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – São Paulo. Pesquisador junto ao Programa de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – São Paulo. Professor Universitário dos Cursos de Pós Graduação EAD da Faculdade Damásio. Advogado em São Paulo e Brasília. Relator na 1ª Turma  de Benefícios da CAASP.

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