Inteligência Artificial nos Tribunais: o que está por vir?

 

 

A cada dia que passa, a Inteligência Artificial (IA) se faz mais presente em nosso cotidiano; na verdade, ao mesmo tempo em que sinto entusiasmo, o sentimento de preocupação é inevitável – contraditório? Pode até ser. Acredito que a Inteligência Artificial é como o céu, mas também pode ser o inferno (maniqueístas vão entender). Chega de spoilers do próximo artigo (sim, irei me aprofundar mais sobre IA e farei algumas deliberações mais para frente).

 

Após introduzir uma dose de desencorajamento – em alguns – vamos direto ao ponto. É fato que o judiciário brasileiro é reconhecido pela sua lentidão, ineficiência e alto volume de processos. O sistema é o mais saturado do mundo, tendo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo como maior Tribunal em quantidade de processos.

 

Esta lentidão e ineficiência são atribuíveis a fatores diversos, notadamente, ao excessivo leque de recursos processuais; ao baixo número de servidores públicos e juízes em proporção ao número de processos, a precariedade e baixo investimento em infraestrutura e tecnologia; há uma burocracia ineficiente, complexa e corrupta; e uma cultura de alta litigância – estimulada pela gratuidade do acesso à justiça advinda da Constituição Federal de 1988, associada a um aumento expressivo no número de processos em tramitação.

 

Só para se ter uma ideia, o ano de 2016 encerrou com o estratosférico número de 79.7 milhões de processos em tramitação, apresentando um aumento de 7,6 milhões (9,5%) de processos em estoque desde 2014. Já em 2017, o acervo foi de 80,1 milhões de processos que aguardavam uma solução definitiva.

 

Afinal de contas, como a IA poderia ajudar na diminuição dessas demandas? Pois bem, o Poder Judiciário já está engatinhando a fim de modernizar e otimizar os seus serviços, estas implementações vêm se intensificando aos poucos e, não há dúvidas, que, vieram para ficar. Vejamos abaixo:

 

O TJ/MG tem utilizado uma ferramenta conhecida como Radar, uma inteligência artificial que é capaz de ler processos e separar os que são similares, ou seja, após juntar processos parecidos, o sistema sugere um padrão de voto que posteriormente é revisado por um relator. O sistema foi implantado em novembro de 2018.

 

O TJ/PE também começou a utilizar a IA para acelerar processos. O sistema Elis promove a triagem de processos de execução fiscal, o sistema faz em 15 dias, o trabalho que 11 servidores levariam mais de um ano para concluir. O sistema foi criado em 2018.

 

Por meio de uma parceria com a UFRN, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, criou alguns sistemas – que ainda estão em fase de testes -, chamados Poti, Jerimum e Clara. Poti, por exemplo, realiza automaticamente a busca e bloqueio de valores em contas bancárias, finalizando em apenas 35 segundo uma tarefa que antes levava um mês para ser concluída. O robô Jerimum, por sua vez, classifica e rotula processos, enquanto Clara lê documentos e recomenda decisões.

 

O Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, após um investimento em tecnologia, criou, em 2018, um núcleo de IA, que desenvolveu o Sinapses. Anunciada no 13º ConipJud, o Sinapses tem potencial para ser modelo de sistema unificado com o objetivo de prover Inteligência Artificial para todo o judiciário brasileiro. Uma de suas funcionalidades é o módulo gabinete, no qual o juiz do processo recebe auxílio na elaboração de sentenças ao sugerir frases. Deste modo, o TJ/RO espera uma queda de 60% no tempo médio no trâmite das ações.

 

Ademais, também temos o STF que conta com o sistema Victor, um projeto que objetiva separar e classificar as peças processuais e identificar os principais temas de repercussão geral. A proposta deve entrar em execução ainda em 2019.

 

Para não ficar para trás, o STJ também desenvolve um projeto que deverá reduzir em 25% o tempo entre a distribuição e a primeira decisão no recurso especial, foi o que comentou o ministro João Otávio de Noronha; o sistema batizado de Sócrates vai produzir um exame automatizado do recurso e do acórdão recorrido, a apresentação de referências legislativas, a listagem de casos semelhantes e a sugestão de decisão, a qual, no entanto, continuará a ser sempre do ministro. O projeto-piloto é aguardado para este mês de agosto.

 

Diante dessa realidade, a IA veio para ficar e aqueles que se adaptarem melhor a essas mudanças sairão na frente. No judiciário, ao que tudo indica, poderá ser uma ferramenta extremamente útil – claro, como ferramenta de auxílio. Deixo registrado, em que pese a inovação da machine learnig otimizarem resultados, não consigo vislumbrar as famosas redes neurais artificiais (RNAs) chegando a um nível que substitua juízes de direito – você gostaria de ser julgado somente por algoritmos?

 

Ao contrário do que muitos acham, algoritmos não são imparciais, uma vez que os preconceitos presentes nos dados, serão refletidos. Basta lembrar o que ocorreu com a IA da Google, que não foi capaz de distinguir a pele de um ser humano da dos macacos, o viés racista forçou a Google pedir desculpas e, logo em seguida, retirar os macacos do setor de busca.

 

Voltando à substituição dos juízes, isto é algo que já está ocorrendo na Estônia; o Ministério da Justiça da Estônia irá bancar o desenvolvimento de um “juiz robô” que poderá ser usada para mediar pequenas causas.

 

É impossível prever o rumo da IA na sociedade. Pode ser terrível… Pode ser maravilhoso… Não está claro. Deste modo, tenho de concordar com Elon Musk, o cenário em que mesclamos com a IA provavelmente seria o melhor para meros mortais – se não pode vencê-la, junte-se a ela (referência à Neuralink).

 


Referências

 

CNJ apresenta Justiça em Números 2018, com dados dos 90 tribunais. Disponível em: <http://cnj.jus.br/noticias/cnj/87512-cnj-apresenta-justica-em-numeros-2018-com-dados-dos-90-tribunais> Acessado em: 01/08/2019.

 

COELHO, João Victor de Assis Brasil Ribeiro. APLICAÇÕES E IMPLICAÇÕES DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/18844/1/2017_JoaoVictordeAssisBrasilRibeiroCoelho.pdf> Acessado em: 01/08/2019.

 

Tribunais de todo o país investem em Inteligência Artificial para reduzir ações. Disponível em: <https://blog.juriscorrespondente.com.br/tribunais-de-todo-o-pais-investem-em-inteligencia-artificial-para-reduzir-acoes/> Acessado em: 01/08/2019.

 

Plataforma Radar aprimora a prestação jurisdicional. Disponível em: Acessado em: 01/08/2019.

 

Justiça de Pernambuco usa inteligência artificial para acelerar processos. Disponível em: <https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2019/05/04/justica-de-pernambuco-usa-inteligencia-artificial-para-acelerar-processos.ghtml> Acessado em: 01/08/2019.

 

TJRN UTILIZA ROBÔS PARA AGILIZAR PROCESSOS. Disponível em: <https://hilnethcorreia.com.br/2019/03/19/tjrn-utiliza-robos-para-agilizar-processos/> Acessado em: 01/08/2019.

 

Inteligência Artificial do TJRO: Potencialidade do Sinapses é apresentada no ConipJud 2018. Disponível em: <https://www.tjro.jus.br/noticias/item/10172-inteligencia-artificial-do-tjro-potencialidade-do-sinapses-e-apresentada-no-conipjud-2018> Acessado em: 01/08/2019.

 

Tribunais investem em robôs para reduzir volume de ações. Disponível em: <https://www.valor.com.br/legislacao/6164599/tribunais-investem-em-robos-para-reduzir-volume-de-acoes> Acessado em: 01/08/2019.

 

Projeto-piloto do Sócrates, programa de inteligência artificial do STJ, é esperado para agosto. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI299820,51045-Projetopiloto+do+Socrates+programa+de+inteligencia+artificial+do+STJ> Acessado em: 01/08/2019.

 

Google conserta seu algoritmo “racista” apagando os gorilas. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/14/tecnologia/1515955554_803955.html> Acessado em: 02/08/2019.

 

Estônia está desenvolvendo o primeiro “juiz robô” do mundo. Disponível em: <https://canaltech.com.br/inteligencia-artificial/estonia-esta-desenvolvendo-o-primeiro-juiz-robo-do-mundo-136099/> Acessado em: 02/08/2019.

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Por Thiago Martins