Afinal, o governo pode utilizar recurso de geolocalização durante a pandemia?

Após ser anunciado em São Paulo, sistema de monitoramento gerou dúvidas e preocupações quanto aos dados pessoais

Após o pronunciamento do Governador João Dória, na quinta-feira (09), sobre o uso da geolocalização no combate à epidemia do coronavírus, a expressiva repercussão deixou muitos usuários preocupados com relação à privacidade de seus dados. Infelizmente, parte dessa preocupação se deve à desinformação propagada nas redes sociais (um dos males da quarentena).

 

Mormente, explicarei acerca do sistema de geolocalização em São Paulo, seguida de breve explanação jurídica e, por fim, alguns exemplos do que já têm sido praticados neste sentido, no Brasil e no mundo.

 

Sistema implementado no Estado de São Paulo

 

O Simi – SP (Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo), apresentado pelo Governo de São Paulo, ocorre em parceria com as operadoras de telefonia Vivo, Claro, Oi e TIM, e utiliza dados digitais para medir a adesão dos usuários à quarentena em todo o Estado e também enviar mensagens de alerta para regiões com maior incidência da COVID-19.

 

Assim, o Governo de São Paulo pode consultar informações georreferenciadas de mobilidade urbana em tempo real nos municípios paulistas.

O monitoramento é feito com base em dados coletivos coletados em aglomerados a partir de 30 mil pessoas. As informações serão apresentadas em um modelo de “mapa de calor” que indica mais, ou menos, concentração populacional e em diferentes períodos.

Em suma, são dois cenários apresentados, o primeiro é o de identificação de áreas de aglomerações; o segundo é o cruzamento de dados das operadoras e dos registros de serviços de saúde – sendo este, ao meu ver, um pouco mais delicado -, permitindo assim o envio de mensagens de texto para a população. Os alertas informam se a pessoa está em uma região com índices elevados de casos da COVID-19 – por exemplo, a Grande São Paulo – e um link com informações sobre a importância de medidas de higienização e da quarentena.

 

Discussão em torno da privacidade de dados (análise jurídica)

 

De fato, não há um consenso entre a comunidade jurídica. Para alguns, o tratamento de dados realizado pelo Governo de São Paulo, trata-se de uma medida de caráter emergencial, que visa proteger a saúde pública e a vida; o que seria justificável.

 

Embora a LGPD ainda não esteja em vigor, ela serve como um forte parâmetro nestes casos. Explica o professor Danilo Doneda que, “os dados podem ser usados em contexto de pandemia para proteger a coletividade, a própria LGPD fornece mecanismos para que essa utilização seja feita de forma adequada”.

 

Em entrevista à CNN Brasil, o professor Renato Opice Blum, especialista em direito digital, destacou que, dentro da LGPD, os usuários, no Brasil, seriam comunicados no momento do monitoramento, no entanto isso não deve ocorrer de forma obrigatória em um cenário que o rastreamento seja feito sem a lei em vigor. O professor ainda destacou a importância da preservação da identidade do usuário.

 

De fato, a Lei Geral de Proteção de Dados prevê que o tratamento de dados pessoais (inclusive os dados pessoais sensíveis) pode ser realizado para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros, conforme destaca os artigos 7º, VII e 11, alínea “e”, LGPD.

 

Por outro lado, em entrevista publicada pela Gazeta do Povo, o advogado especialista em crimes cibernéticos, Jonatas Lucena, entende a ação como uma total violação à intimidade do cidadão.

 

Neste mesmo sentido, para o coordenador do programa de telecomunicações e direitos digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Diogo Moyses, as operadoras deveriam ter pedido autorização aos clientes antes de compartilhar seus dados com os governos.

 

Medidas de monitoramento no Brasil e no mundo

 

O Estado de São Paulo não foi o primeiro a adotar tais medidas. A Prefeitura do Rio de Janeiro, em parceria com a Tim, também aderiu o sistema para monitorar a concentração de pessoas em determinadas regiões. Assim como em São Paulo, as informações são apresentadas em um modelo de “mapa de calor”.

 

A startup brasileira “In Loco”, especializada em fornecer inteligência a partir de dados de localização, realizou parceria com a Prefeitura de Recife para rastrear 800 mil pessoas para saber quem sai de casa. As informações de geolocalização ajudaram a prefeitura a identificar 120 mil pessoas que furaram a quarentena e enviar mensagens pedindo para que ficassem em casa.

 

Ao que tudo indica, o Governo Federal seguirá o mesmo caminho, segundo o SindiTelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal), os dados relativos a quase 220 milhões de aparelhos celulares serão repassados com um dia de atraso de modo aglomerado, estatístico e anonimizado, a partir da coleta de informações por quase cem mil antenas. O sistema deve ficar pronto em até duas semanas.

 

Ao analisar o cenário mundial, pode-se observar que a utilização da geolocalização no combate ao coronavírus está sendo utilizado por diversos países como Israel, Coreia do Sul, Itália, França, entre outros.

 

Oportuno mencionar a iniciativas da Google, que, por sua vez, já tem publicado dados de localização, anonimizados, em 130 países para monitorar isolamento social, usando dados de bilhões de telefones de usuários que têm o “Histórico de localização” ativado em suas contas do Google. Segundo a big tech, os dados de privacidade dos usuários serão preservados e se referirão a atividades que ocorreram de 48 a 72 horas antes para mostrar como estão esses locais que concentram aglomerações com frequência. Nenhuma informação de identificação pessoal, como localização, contatos ou movimento de alguém, será disponibilizada a qualquer momento. Os relatórios estarão disponíveis pelo tempo que as autoridades de saúde precisarem.

 

O Facebook, que detém dados de mais de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo, sendo 130 milhões no Brasil, lançou um programa chamado Data for Good, que possui várias ferramentas e iniciativa que podem ajudar as organizações a responder à pandemia do COVID-19. Dentre algumas ferramentas, temos: (i) mapas de densidade populacional de alta resolução, (ii) displays ao vivo do CrowdTangle COVID-19, (iii) Rede de Dados de Mobilidade COVID-19 etc. Segundo a plataforma, os Mapas de Prevenção de Doenças agregam informações do Facebook, e há medidas adicionais para proteger a identidade das pessoas e reduzir o risco de que alguém possa ser re-identificado

Foto_Thiago Martins
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Por Thiago Martins