Entrevista #4 – Janaina Paschoal

A nossa convidada de hoje é uma pessoa querida e muito especial. Além de jurista, a professora Janaina Paschoal leciona na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e, sobretudo, carrega o recorde de deputada mais votada na história do país após obter mais de 2 milhões de votos, fato que ocorreu nas últimas eleições.

 

Atualmente, a deputada estadual propôs um Projeto de Lei conhecido como “PL das cesáreas” (PL 435/2019), que, ao que tudo indica, será votado neste mês de agosto. Portanto, aproveitei o ensejo para realizar algumas perguntas à deputada Janaina a fim de saber mais detalhes deste Projeto de Lei.

 

Nosso encontro ocorreu em um evento na cidade de São Paulo, todavia a entrevista viabilizou-se por escrito.

 

Confira a entrevista na íntegra:

 

1 – A deputada propôs um projeto de lei estadual conhecido como “PL das cesáreas”, que será votado em agosto e, basicamente, assegura à gestante maior autonomia quanto à escolha do parto. A senhora pode explicar um pouco mais sobre este projeto?

Janaina Paschoal — Trata-se de um projeto que transforma em lei o constante da Resolução n. 2144/2016 do Conselho Federal de Medicina. Se houvesse razoabilidade nas práticas, nem seria necessário lutar tanto para aprovar a lei. O problema é que a Resolução em referência somente é observada na rede privada e de convênios. Na rede pública, para uma gestante fazer uma cesariana precisa estar com o bebê prestes a morrer. As mulheres que têm condições de pagar uma cesariana, ou que possuem convênios que cubram o procedimento, podem, uma vez informadas, decidir por qual via de parto seu filho nascerá. No sistema público, as mulheres são obrigadas a um parto normal (sem anestesia), muitas vezes aguentando horas de intensa dor. Não raras vezes, os riscos do parto normal são claros e, ainda assim, existe uma imposição dessa via de parto, com um discurso mentiroso de que é o melhor para a mãe e o bebê.

 

2 – Como que funciona nos dias atuais? na rede púbica, as mulheres possuem a opção da cesariana?
Janaina Paschoal — Não, essa opção não existe. Mesmo a mulher estando em uma fase bem avançada da gestação, por exemplo 41 semanas, ela é instada a aguardar entrar em trabalho de parto, ou a induzir o parto, sem anestesia, sob a alegação de que esse seria o melhor caminho para ela. Não raras vezes, por razões diversas, a mulher solicita a cesariana e, invariavelmente, ouve que o protocolo é tentar o parto normal e, só se tudo der errado, converter em uma cesariana. Ocorre que essa tal conversão gera muitos riscos para mãe e filho e ninguém conta isso para a família. É muito grave o que ocorre na atualidade. Estamos diante de uma política pública assassina.

 

3 – A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP) chegou a pedir para a senhora retirar o projeto de lei? Se “sim”, o que eles alegam?
Janaina Paschoal — A Presidente dessa Associação entrou em contato comigo por whatsapp, sugerindo alterações. Por exemplo, o projeto original falava apenas em analgesia. A Presidente da Sogesp sugeriu que eu incluísse farmacológica e não farmacológica. Eu acatei a sugestão. Depois desse primeiro contato por mensagem, a Presidente da Sogesp foi recebida em meu gabinete, ao lado de um outro médico, defensor do parto natural. Ambos confidenciaram não atuar na rede pública, ambos concordaram com os problemas que levanto, mas defenderam que o problema decorre da falta de preparo dos profissionais para o parto normal. Diminuíram o papel dos próprios obstetras, destacaram a necessidade de o projeto contemplar doulas e obstetrizes. Eu disse a eles que até estranhava a forma com que se referiam a sua própria categoria. Eu pedi dados a evidenciar que mulheres e bebês morrem em cesarianas a pedido, uma vez que eles insistiam nessa pauta. Eles me mostraram alguns gráficos referentes a Inglaterra e França. Nada sobre Brasil. Depois, a Presidente da Sogesp participou de uma reunião de técnicos na Alesp. Ela não conseguia trazer argumentos técnicos para fundamentar suas objeções. Confesso que o proceder da Presidente da Sogesp intriga, pois, quando da edição da Resolução CFM 2144/2016, ela defendeu a norma ética publicamente. Não tem lógica defender a Resolução e atacar tanto a lei. Na reunião, em meu gabinete, a Presidente da Sogesp disse que eu estava mentindo, quando correlacionava insistência no parto normal e paralisia cerebral. Disse ainda que por causa de alguns casos, eu estaria colocando em risco todo um sistema. Na verdade, não são apenas alguns casos. Ainda que fossem, para a família vitimada, um caso constitui 100 %.

 

4 – A deputada federal Carla Zambelli (PSL -SP) levou este projeto para a Câmara dos Deputados (PL 3635/2019), a senhora está otimista quanto a tramitação deste projeto no Congresso Nacional?
Janaina Paschoal — Sim, eu pedi a ela e ela nacionalizou o PL. Depois, o Chefe de Gabinete do Senador Sérgio Petecão fez contato, solicitando autorização para protocolizar o projeto também no SENADO. Eu agradeci. Se Deus permitir, todas as mulheres passarão a ser ouvidas nesse momento tão importante de suas vidas.

 

5 – O que lhe incentivou a propor este projeto?
Janaina Paschoal — Os filmes de terror que vim a conhecer, na condição de advogada e de professora de Direito Penal e Bioética. Em muitos casos concretos, resta evidente que a cesariana teria evitado a morte de mães, de bebês e também muitas sequelas. É muito sofrido constatar que mãe e bebê chegam vivos e saudáveis e pela negativa de um procedimento lícito e ético, como é a cesariana, um deles não sai da maternidade. Essa ditadura do parto normal precisa ser barrada. Para piorar, existe uma moda de voltar a fazer partos em casa. Mortes e sequelas tendem a aumentar.

 

6 – Para encerrar, qual a sua mensagem para as mulheres que te seguem e te acompanham?
Janaina Paschoal — Sejam vocês mesmas. Lutem pelo que acreditam. Amem e não tenham medo de serem amadas.

 


Janaina Conceição Paschoal (São Paulo, 25 de junho de 1974) é jurista e deputada estadual do estado de São Paulo. É professora da Universidade de São Paulo (USP) e advogada. Obteve o grau de doutora em direito penal pela Universidade de São Paulo em 2002, orientada por Miguel Reale Júnior, com a tese Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo. Atua na linha de pesquisa do direito penal econômico. Foi uma das autoras do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, junto com Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo, e participou ativamente na tramitação do processo na Câmara dos Deputados e no Senado.