Dignidade da pessoa humana: existir ou coexistir?

Imagem: Pixabay

São inúmeros os pensadores, escritores, autores de obras consagradas das áreas da filosofia e história, bem como do Direito que abordam o princípio basilar dos ordenamentos jurídicos ocidentais que surgiam posteriormente aos eventos que encerraram a Segunda Guerra Mundial.

 

No entanto, as concepções acerca da dignidade da pessoa humana não são imprecisas, pois há um núcleo que permite compreender o instituto enquanto princípio e direito.

 

A primeira premissa que se deve ter em mente, decorre da frase da filósofa, Hannah Arendt que sustenta que “a essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos”.

 

A frase apresentada pela autora nos remete à algumas reflexões, para tanto, é necessário compreender o que o período histórico da Segunda Guerra Mundial guarda a título de experiência.

 

Foi um período repleto de situações envolvendo violações aos direitos humanos e a luta pelo resgate da importância dos seres humanos na construção da história teve inicio com a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que consagrou a dignidade da pessoa humana no intuito de colocá-la, no centro dos ordenamentos jurídicos Ocidentais.  

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A ideia faz com que os seres humanos para quem se destinaria toda uma gramática de direitos recuperassem a sua importância no contexto mundial, com a finalidade de estabelecer um processo de superação sobre as atrocidades praticadas pelo nazismo e pelos países que restaram vencidos na Segunda Guerra Mundial.

 

Contudo, seria refutar a História não apontar que mesmo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda existem posturas aterrorizantes em regimes totalitários e  Países que fazem da guerra uma ferramenta constante de imposição de interesses econômicos, bem como as atividades deletérias no plano econômico decorrentes dos desvios de recursos públicos provocadas a fim de obter enriquecimento ilícito em detrimento das variadas mazelas que precisam ser superadas por vários Países.

Estes consistem em alguns exemplos capazes de demonstrar os constantes atos de agressão a dignidade da pessoa humana. A concepção de Hannah Arendt sobre o direito a ter direitos como essência dos direitos humanos, permite apontar para a dignidade da pessoa humana como um princípio basilar do Estado Democrático de Direito á medida em que a sua violação comprometeria a própria existência do indivíduo, em outras palavras, enquanto princípio consistiria num conglomerado de direitos essenciais para a existência das pessoas. Celso Lafer, a partir do pensamento de Hannah Arendt traduz a cidadania enquanto consciência dos seres humanos a respeito do direito a ter direitos.

 

A cidadania é um direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos humanos não é um dado. É um construído na convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público. É este acesso que permite a construção de um mundo comum através do processo de asserção dos direitos humanos.[1]

 

Surge assim uma indagação: Nos cabe apenas existir ou será necessário refletir sobre a nossa coexistência?

A atuação conjunta em sociedade, a colaboração, a cooperação, a cordialidade, o respeito, o exercício da moralidade são alguns dos valores que possibilitam entender a relevância do papel de cada um de nós perante o grupo, isto é,  a sociedade seja da parcela, em nosso cotidiano nos bairros e ruas dos municípios, bem como  no cenário nacional, através do exercício efetivo da nossa cidadania.

 

A concepção de dignidade da pessoa humana contidos na obra  de Immanuel Kant “Fundamentação da metafísica dos costumes”, é a demonstração de  que a dignidade da pessoa humana decorre da união a autonomia do ente racional para a elaboração de princípios morais de característica universal,  levando  em consideração também, o que mencionamos acerca do ser humano não ter preço, tendo em vista que as pessoas humanas existem como um fim em si mesmo e não como um instrumento, isto é, uma coisa voltada para atender aos interesses  de outrem.[2]

 

Outro aspecto importante, é a concretização e proteção dos direitos fundamentais, como a vida, a intimidade e a privacidade, os direitos da personalidade entre eles, o nome, a imagem a honra que são diretamente ligados à dignidade da pessoa humana. Enfatiza-se outras inúmeras agressões que também podem ser consideradas violadoras da nossa dignidade. A fome, a miséria que assola o País, a mortalidade infantil, a existência  de postos de trabalho análogo a escravidão, os abusos as liberdades de mulheres e crianças, o preconceito de raça, religião e gênero, a precariedade dos serviços de fornecimento de energia água, esgoto, transporte também tornam ilustrativo a estas violações que comprometem a condição do ser humano.

 

No Brasil de 2020, ainda muitas pessoas se assustam e sentem impotência indagando como um País rico em recursos naturais, com pleno potencial de desenvolvimento, ainda carece de concretização de direitos básicos.

 

O papel de quem administra coisa pública, o senso de importância pela condição de vida do outro e as posturas necessárias que devem ser tomadas por cada um de nós, os protagonistas de nossa própria história. 

 

A luta pela efetividade da dignidade da pessoa humana precisa ser constante e os gestos de caridade, os atos altruístas, mesmo sendo relevantes por si não bastam, é preciso uma postura proativa, um compromisso com os ideais de democracia e a luta pelos direitos. Não nos  basta  existir, é preciso coexistir!

 

[1] ARENDT, Hannah. The origins of totalitarianism. Nova York: Harcourt Brace Jovanovitch, 1993. pp. 299-302. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. pp. 146-166.

 

[2] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Coleção os Pensadores, p. Trad. Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

Por Ronny Max Machado

Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – São Paulo. Pesquisador junto ao Programa de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – São Paulo. Professor Universitário dos Cursos de Pós Graduação EAD da Faculdade Damásio. Advogado em São Paulo e Brasília. Relator na 1ª Turma  de Benefícios da CAASP.