A (in)constitucionalidade do ISS sobre os serviços de streaming

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Julho 5, 2021

A (in)constitucionalidade do ISS sobre os serviços de streaming

Chega de ir à locadora para alugar o seu filme favorito ou, até mesmo, ir ao cinema para assistir o lançamento tão aguardado. A inserção dos serviços de streaming proporcionou uma grande comodidade, principalmente no Brasil, que é o 2° país que mais consome streaming no mundo. Cerca de 64,58% da população brasileira assinam pelo menos um tipo de serviço de streaming[1].

Podemos dividir os serviços de streaming em live streaming, que são aqueles que ocorrem “ao vivo”; e streaming on demand, o qual consiste na transmissão de dados pela internet, principalmente áudio e vídeo, sem a necessidade de baixar o conteúdo, a ocorrer sob demanda[2].

No âmbito do direito, o artigo 3°, do Código Tributário Nacional, dispõe que “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”[3].

Dentro dessa definição encontramos o imposto, espécie da qual o tributo é gênero, conforme disposto no artigo 145, da Constituição Federal de 1988. A nossa Carta Magna ainda prevê o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza em seu artigo 156, III, denominando-o no capítulo que dispõe acerca dos “Impostos do Município”[4].

Sacha Coêlho conceitua o ISS como o “Imposto que incide sobre prestação de serviços de qualquer natureza realizada em favor de terceiros por profissionais autônomos ou empresas, excetuando-se: os serviços prestados em regime celetista; os serviços prestados em regime estatutário e os auto-serviços”[5].

O Imposto Sobre Serviço é recolhido pelos Municípios e pelo Distrito Federal, e a sua importância se deve ao fato de quase todas as operações que envolvem serviços possuírem a incidência desse tributo.

O ISS é regulamentado pela Lei Complementar n° 116/2003, a qual nos traz uma lista de atividades em que há incidência do imposto – tais como serviço de programação, comunicação, advocacia, terapia, dentre outros. Assim, é essencialmente importante compreender a definição do que pode ser “serviço”.

O STF (Supremo Tribunal Federal)[6] acatou, por maioria de votos, com base no art. 110, do Código Tributário Nacional (CTN) e na Constituição, o conceito civilista de “serviço”, considerado como uma obrigação de fazer.

Os Ministros Marco Aurélio e Celso de Melo proferiram em seus votos que:

Em síntese, há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta o esforço humano, é fato gerador do tributo em comento”.

[…] eis que o ISS somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis.[7]

Além disso, a Lei Complementar n° 157/2016 alterou a Lei Complementar n° 116/2003, a acrescentar o item “1.09”, de modo que englobou a tecnologia streaming como atividade incidente de ISS. No entanto, a incidência do ISS sobre os serviços de streaming não foi aceita de forma unânime pela comunidade jurídica, conforme se verá adiante.

O ponto de maior destaque para a geração desse imbróglio estaria na definição de serviço. Em âmbito econômico, grandes empresas que atuam nesse ramo se autodenominam como prestadoras de serviços de streaming. Entretanto, em âmbito jurídico, a definição de “serviço” é traduzida em um esforço humano em favor de outrem, mediante contrato de remuneração.

Esta definição difere do conceito compreendido nos países europeus, uma vez que para fins jurídicos e econômicos a definição é a mesma. A Segunda Diretriz IVA da União Europeia, de 11 de abril de 1967, conceitua a prestação de serviços de forma mais abrangente, a consistir tão somente em “toda operação que não constitua transmissão de bens”[8].

Portanto, no Brasil, a definição jurídica é mais restrita e exige o preenchimento de requisitos mais específicos do que a definição econômica. Obviamente, em razão desses critérios distintos sobre serviço, existirão operações enquadradas pela definição econômica, porém, não abarcadas pela definição jurídica.

Eduardo Sabbag explica que “a lei complementar não poderá distorcer o conceito de serviços utilizado pela Constituição, nem alargar seu campo de incidência, de modo a alcançar o que não é serviço, no sentido que o sistema constitucional tributário confere a tal termo”[9], entendimento que vai ao encontro dos artigos 109 e 110, do Código Tributário Nacional.

Ainda nesse sentido, o art. 1º, §4º, da Lei Complementar n° 116/03, dispõe que “a incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado”[10].

Sendo assim, o primeiro ponto a ser observado, nestes casos, é que o esforço humano aplicado à “disponibilização” não se dá em favor de outrem. Em segundo lugar, o contrato realizado com os usuários não representa uma obrigação de fazer por parte da eventual empresa prestadora, e sim obrigação de dar. Nessa toada, preconiza Orlando Gomes:

Nas obrigações de dar, o que interessa ao credor é a coisa que lhe deve ser entregue, pouco lhe importando a atividade de que o devedor precisa exercer para realizar a entrega. Nas obrigações de fazer, ao contrário, o fim que se tem em mira é aproveitar o serviço contratado”[11].

Deste modo, compreende-se que o termo “serviço” equivale a uma “obrigação de fazer, o que não corresponderia com a realidade das empresas de streaming on demand; pois a obrigação imposta seria a de dar, em razão da disponibilização do conteúdo de áudio e/ou vídeo.

 

[1] CanalTech. Brasil é 2° país que mais consome streaming no mundo. Disponível em: <https://canaltech.com.br/entretenimento/brasil-e-2o-pais-que-mais-consome-streaming-no-mundo-192718/>.

[2] Tecmundo. Existe diferença entre vídeo em streaming e “on demand”? <https://www.tecmundo.com.br/streaming/112641-existe-diferenca-entre-video-streaming-on-demand.htm>.

[3] BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>.

[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

[5] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7ª. ed Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 616.

[6] Recurso Extraordinário 116.121-3/SP (DJ de 25 de maio de 2001).

[7] O entendimento grifado foi sumulado posteriormente (Súmula Vinculante n° 31).

[8] JORNAL OFICIAL DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Segunda Diretiva do Conselho, de 11 de abril de 1967. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31967L0228&qid=1464637707421&from=EN>.

[9] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1021.

[10] BRASIL. Lei Complementar n. 116/03. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp116.htm#anexo>.

[11] GOMES, Orlando. Obrigações, Rio de Janeiro, Forense, 1961, p. 67.

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