Entrevista #10 – Camilla Pinheiro

Empresas que nascem pequenas, ligadas à tecnologia, com o objetivo relacionado à inovação e com pretensão de causar um impacto social, essas são as propostas das startups. O termo se tornou bastante conhecido nos últimos anos no Brasil, graças à popularização de serviços como Uber, Airbnb, Nubank, dentre outros.

 

Para se ter uma ideia, segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), temos mais de 13 mil startups espalhadas pelo Brasil. O profissional do direito possui um papel fundamental e, consequentemente, também é peça importante na validação da ideia que dá origem à startup.

 

Para falar mais sobre isso, convidamos a Camilla Pinheiro, advogada especialista em startups. Confira a entrevista na íntegra.

 

1 – Quero iniciar uma startup, porém não sei como formalizá-la. Qual é o primeiro passo a ser dado?

 

Camilla Pinheiro – Importante ter em mente que formalizar sua startup, talvez não precise ser o seu primeiro passo. O que isso quer dizer? Que talvez você não precise de um CNPJ no primeiro momento ou já começar a operar como empresa constituída. Isso porque, a formalização da empresa vai gerar gastos administrativos e tributários que talvez o empreendedor da nova startup ainda não esteja preparado para suportar por não estar auferindo receita com o novo negócio, e que podem, portanto, inviabilizar a realização de outras atividades essenciais para o desenvolvimento do negócio.

 

É interessante passar por validações da ideia primeiro, que podem ser feitas utilizando metodologias próprias do mundo das startups, como as metodologias Lean Startup e Customer Development, criadas, respectivamente, por Eric Ries no livro “A Startup Enxuta” e Steve Blank na obra “Startup: Manual do Empreendedor”. Recomendo começar uma nova startup validando o problema, construindo o MVP, validando a solução e, simultaneamente, trabalhando, junto a um advogado de confiança, um mapeamento de riscos e de atividades que precisam ser desenvolvidas para garantir maior segurança jurídica desde o início, ainda que a empresa não esteja constituída.

 

Existem vários acordos iniciais que podem e precisam ser feitos, independentemente de a empresa estar ou não constituída, como, por exemplo, o memorando de entendimentos, o acordo de acionistas, um contrato de vesting ou cláusula de vesting no acordo de acionistas, bem como os importantes acordos de confidencialidade e não concorrência. Outros documentos serão necessários quando chegar o momento de formalizar a empresa, como o contrato social e o estatuto social.

 

Antes mesmo de ter seu CNPJ, também é muito importante cuidar dos contratos com fornecedores, contratos de prestação de serviços com colaboradores da sua startup e verificar aspectos ligados a direito regulatório, que podem ser decisivos para o desenvolvimento do negócio. Algumas atividades possuem regulamentação específica, como no caso das fintechs, que precisam ser observadas desde o início. Outros aspectos importantes desde o início da startup dizem respeito à propriedade intelectual, como registros de marcas e patentes.

 

Essas são as principais demandas jurídicas que podem existir em uma startup em fase de ideação.

O primeiro passo é você fazer esse mapeamento de quais são as demandas estão presentes na sua startup, fazer a validação do seu negócio e, aí sim, partir para a formalização da empresa.

 

2 – Quais são os erros mais corriqueiros entre as pessoas que estão começando?

 

Camilla Pinheiro – Ótima pergunta. No livro “Startup: Manual do Empreendedor”, o autor Steve Blank, um dos maiores empreendedores do Vale do Silício, elenca nove pecados mortais que as empresas cometem na hora de lançar um novo modelo de negócio. Na prática, vemos claramente algumas startups que assessoramos cometendo alguns desses nove pecados mortais sem ao menos se darem conta do quanto determinadas atitudes podem ser passos em falso e que contribuirão com o insucesso.

 

Vemos empreendedores cheios de energia e otimismo e que querem que suas startups sejam a solução para vários problemas ao mesmo tempo. No entanto, a falta de foco inicial pode ser um erro! Uma das máximas do mundo das startups é sonhar grande, mas começar pequeno. A visão do fundador pode ser infinitamente abrangente, e é muito legal que seja, pois o potencial de disrupção dessa startup geralmente é maior, mas é importante que ele comece com um foco pequeno, para resolver uma ou duas dores de forma eficiente e, aos poucos, ir ganhando corpo para incrementar seu negócio.

 

Outro erro que é comum observamos é a falta de foco no cliente. Não conversar com o potencial cliente, não validar a dor dele ou não validar a sua solução e acreditar que você sabe tudo sobre seu produto. Na verdade, quem sabe sobre seu produto, como ele deve ser, é o seu cliente que vai utilizar. Não estar sempre em contato com o cliente colhendo feedbacks pode ser um caminho mais curto para o fracasso. O empreendedor criativo, certamente terá várias hipóteses formuladas em sua mente, mas essas hipóteses precisam ser validadas em campo para garantir uma aprendizagem validada.

 

Outro ponto que é extremamente comum é o medo que o empreendedor tem de fracassar. É preciso compreender que, ao empreender, você vai fracassar em algum momento, e que esse fracasso é essencial para seu aprendizado. Não deixar espaço para tentativa e erro no desenvolvimento do seu negócio é um dos fatores que mais pode atrapalhar uma startup a se tornar bem-sucedida. A partir do momento em que o empreendedor vai a campo validar suas hipóteses, é praticamente impossível que elas sobrevivam assim como foram concebidas e, para os menos experientes, feedbacks negativos ou diferentes do esperado podem causar um enorme desânimo. Não podemos nos esquecer de deixar espaço para a tentativa e o erro e entender que tudo isso faz parte do processo de aprendizagem.

 

Por fim, acreditar que as startups não precisam de cuidados jurídicos nas fases iniciais também é um erro que pode ser extremamente prejudicial para a saúde do negócio, tanto a curto quanto a médio e longo prazo. Toda startup precisa pensar nas questões burocráticas, e que são inúmeras, como vimos no mapeamento de demandas iniciais que comentei anteriormente. O próprio Erico Ries, autor do clássico “A Startup Enxuta” afirma que aprendeu tanto com os sucessos e fracassos dele, como o sucesso e fracasso de outras pessoas que ele acompanhou, que essa parte burocrática e chata, é uma das partes que mais tem importância. Porque que ela é quase sempre negligenciada pelo empreendedor que está no auge da criatividade e quer transformar o mundo.

3 – Qual a importância do advogado? Como ele pode auxiliar o cliente nesse processo?

 

Camilla Pinheiro – O advogado é muito importante nesse processo de desenvolvimento de uma nova startup, especialmente o advogado que está envolvido no mundo do empreendedorismo. Advogados excessivamente tradicionais podem não ter um bom feeling para pensar o negócio em conjunto com o cliente.

 

O advogado de startups precisa ter veia empreendedora e estar aberto a se posicionar como um parceiro de negócio do seu cliente, pensando também questões que extrapolam a esfera jurídica e não trabalhar somente de forma técnica. Isso porque, o advogado deve auxiliar o empreendedor na tomada de decisões. Empreender é ter que tomar decisões a todo momento e, muitas vezes, isso se torna um encargo pesado para o empreendedor que está no início e se encontra nesse constante dilema de decidir sobre assuntos diversos e sobre os quais ele não possui conhecimento ou experiência suficientes para se sentir seguro.

 

A importância do advogado ela reside principalmente aqui em auxiliar na tomada de decisões, em dar suporte, em dar essa segurança para que o empreendedor possa tomar decisões corretas. E, é claro, também é papel do advogado efetivamente cuidar das formalidades e questões burocráticas, evitando assim que essa startup que está iniciando tenha problemas futuros.

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4 – Para aqueles que procuram investimento, seja de um investidor-anjo, um amigo, familiar, dentre outras opções. Como documentar e realizar isso da melhor forma?

 

Camilla Pinheiro – É importante a gente ter em mente que cada tipo de investimento, em cada fase diferente da startup, ela vai demandar procedimentos diversos, ou seja, formalidades diferentes para cada tipo de investimento. Ao invés de detalharmos aqui esses contratos, minha dica é pensarmos bem nas formalidades necessárias para a startup em fase de ideação, pois um início saudável é a base de tudo.

 

Na ideação o empreendedor também precisa de recursos, porém, geralmente ele não tem de onde tirar esses recursos. Geralmente quem que coloca dinheiro em startups em fase de ideação são chamados de “3 f’s”, family, friends and fools. São as pessoas que estão por uma relação de afeto, porque elas acreditam no negócio, e isso pode adicionar alguns complicadores.

 

Quando se trata de uma relação profissional com outros tipos de investidores, como por exemplo, investidores-anjo, a injeção de capital é mais vultuosa e todos entendem – investidores e sócios – que é importante que isso seja documentado em instrumento contratual adequado e acompanhado por advogados que entendam do assunto.

 

Já com investimentos de menor montante, em fase inicial, feitos por familiares e amigos, não costuma haver formalização, pois não damos a devida importância para isso. É preciso ter os devidos cuidados formais também com esses tipos de investidores, em se tratando de pessoa que têm uma relação de afeto com o empreendedor, os mal-entendidos podem impactar também na esfera da vida pessoal.

 

Nesse sentido, meu conselho é atentar para formalização de investimentos desde o início e documentar tudo, ainda que esse investimento inicial seja baixo e feito por um parente ou amigo. Isso evita problemas pessoais futuros.

5 – Por fim, você gostaria de deixar alguma dica de conteúdo para que deseja aprender mais sobre startup? 

 

Camilla Pinheiro – Alguns conteúdos bem legais que eu mesma acompanho são os conteúdos da StartSe, que tem lives, posts e também um podcast muito bom que se chama MVP. Também recomendo acompanhar as notícias da Associação Brasileira de Startups, do ecossistema independente Distrito e os acontecimentos de hubs de inovação como o Inovabra Habitat e Cubo.

 

É muito importante, ainda, estar engajado no ecossistema de inovação e startups da sua região. Aqui em Goiás, por exemplo, temos a StartupGo, uma grande comunidade que promove união das comunidades de inovação aqui do estado. Busque descobrir na sua região qual ou quais são as instituições de representatividade no ecossistema e se junte ao movimento!

 

E eu indico, ainda, acompanhar o conteúdo da LB Startups, que é a minha empresa de consultoria em inovação e startups, porque nós disponibilizamos muito conteúdo gratuito e de extrema qualidade, como um curso de completo de como crescer seu negócio com o Estilo Startup que está disponível no nosso canal do YouTube. São aulas bem completas, com um material semelhante ao que eu e meus sócios produzimos para dar aulas na graduação e na pós-graduação (sou professora de conteúdos voltados para startups em ambos os níveis) e que está aberto para o público no nosso canal.

 

Para quem se interessou muito pelo assunto e quiser já partir para a leitura, os três clássicos do mundo das startups são “A startup enxuta” e “O Estilo Startup”, ambos do autor Eric Ries, e o “Startup: Manual do Empreendedor”, de Steve Blank e Bob Dorf.

Camilla Pinheiro – Advogada especialista em Startups e Direito Digital. Arquiteta e Engenheira Jurídica pela Looplex Academy. Treinamento em Data Protection Officer pela Master House. Professora universitária da disciplina de Iniciação em Startups – Novo Modelo de Ensino da Faculdade Cambury. Cofounder e CEO do Law & Business Startups. Cofounder e executive director do Goiânia Legal Hackers. Professora nos programas da pós-graduação em Gestão Jurídica de Startups e da pós-graduação em Advocacia 4.0, Inovação Jurídica e Tecnologia da Verbo Jurídico, em São Paulo. MBA em Gestão Legal. Pós-graduada em Direito Tributário e Docência no Ensino Superior. Professora da Escola Superior de Advocacia da OAB/GO. Pesquisadora voluntária do Instituto Goiano de Direito Digital. Membro da ALA – Associoation of Legal Administrators (Associação de Administradores Legais dos Estados Unidos).

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